domingo, janeiro 14, 2007

O passo seguinte

Apesar de o facto de o feto com menos de 10 semanas ser considerado vida humana reunir um largo consenso entre os cientistas, não reúne consenso a definição do momento a partir do qual se considera que essa vida humana é uma "pessoa". Esta questão reveste-se de uma enorme importância dado que existem alguns pensadores que defendem que apenas se deve atribuir o direito à vida a uma "pessoa" e não se deve atribuir esse direito a algo que é vida humana, como é o caso do feto.

O que é, então, uma "pessoa"?
Segundo alguns pensadores, apenas podemos considerar "pessoa" alguém que é, ao mesmo tempo, autoconsciente e senciente e que manifesta desejos em relação ao seu futuro. Resumindo numa linguagem vulgar, defendem que só é "pessoa" alguém que sabe que existe, sabe que existe um mundo à sua volta, interage com esse mundo, sente dor, prazer e felicidade e elabora perspectivas em relação ao seu futuro. O que implica esta definição? Para compreendermos melhor, teremos de ler a opinião de Peter Singer, um dos defensores desta posição:

««Singer faz uma distinção entre “ser humano” e “pessoa”, usando o último conceito para referir seres autoconscientes, ou seja, conscientes de si mesmos como entidades distintas existindo ao longo do tempo. Esse ser, segundo Singer, será capaz de ter desejos relativos ao seu próprio futuro. Tirar a vida de “pessoas” sem o seu consentimento significa frustrar seus desejos futuros.

Por outro lado, segundo Singer, matar uma lesma ou um recém-nascido de um dia não frustra nenhum desejo, pois as lesmas e os recém-nascidos são incapazes de tê-los. Nesse sentido, Singer chega à conclusão de que é possível que um ser humano – membro da espécie Homo sapiens – não seja considerado uma pessoa e, também, que um animal não-humano seja considerado uma pessoa.

“Quando um ser não for capaz de sofrer, nem de sentir alegria ou felicidade, não haverá nada a ser levado em consideração”.

Como podemos perceber, Singer defende a tese de que existe uma diferença entre o valor da vida de uma pessoa e o valor da vida de um ser não-pessoa e saber quais animais possuem a consciência de si é uma questão crucial no debate sobre se um ser tem direito à vida ou não.»»

Como deu para perceber, defender que só quem é "pessoa" é que tem direito à vida, implica, segundo Singer, que existam animais que são considerados "pessoas" e que as crianças até aos 2 anos não o são, sendo por isso legítimo matar crianças até essa idade se houver algo de força maior que o justifique. Porque até aos 2 anos de idade? Porque só a partir desta altura é que a criança consegue elaborar perspectivas de futuro e, portanto, se fosse morta, veria essas perspectivas frustradas.

Porque razão falo disto neste post? Porque, ao definirmos que só quem é "pessoa" é que tem direito à vida, corremos o risco de ter que assumir que haja animais com esse direito e crianças até aos 2 anos que não o possuem. É com base nesta teoria que, nos países onde o aborto já foi liberalizado há alguns anos, começam a surgir posições a defender o infanticídio, ou seja, a morte de recém-nascidos que nascem com deficiências.

5 comentários:

Anónimo disse...

Ridícula a argumentação desse senhor. Será que ele já evolui da idade mental de dois anos, ou ainda poderá ser exterminado sem consequências de maior para quem praticar essa morte? Não consigo perceber como há quem defenda coisas deste género, e pior, quem lhes dê cobertura mediática e tempo de antena...

Anónimo disse...

NUma coisa ele tem razão: duvido seriamente que alguns seres humanos sejam de facto pessoas. O caso dele é sintomático.

Anónimo disse...

Aconselho vivamente o Fernando e a mente despenteada a ler o autor que comentam porque as ilações que tiram não são de todo justas ou fundamentadas. Trata-se de um corpo filosófico coeso que não deixa margem para dúvidas quanto aos direitos das pessoas, nomeadamente o direito à vida.

Deixo o link para o artigo Aborto de Mary Ann Warren, retirado de A Companion To Ethics, organizado precisamente por Peter Singer e com posições próximas às suas.

fernando alves disse...

Já tinha lido esse texto.
A autora defende que o feto só atinge estatuto moral pleno quando nasce.

Quer isso dizer que o Luis concorda com o aborto até aos 8 meses e 3 semanas?

Anónimo disse...

sobre o final do post...
não nos esqueçamos que o aborto de crianças com deficiencia já era permitido pela lei, eu até lhe perguntei porque é que os apoiantes do "não" que defendiam tanto a vida não se opunham a isso, e você falou-me do sofrimento da criança devido à deficiencia...
pergunto-me se esse argumento não poderá ser então usado também pelos que defendem o infanticídio?
de qualquer maneira acho isso condenável, até porque o bebé já sente dor, e aí sim, é um verdadeiro homicidio. e também foi dessa maneira que começou o holocausto, com a morte de deficientes, uma alegada "eutanásia" que mais tarde se extendeu a muitos mais grupos considerados anormais/imperfeitos...