Os críticos da democracia participativa grega deixaram-nos uma máxima que é uma aquisição definitiva na nossa herança cultural: «governa com prudência e virtude». É em nome desta nossa herança que vou esboçar a reflexão que segue.
A construção do Estado Laico, desde o seu momento fundador, na Paz de Westfalia, em 1648, tem empurrado a humanidade para uma progressiva dessacralização do real natural, do real social e do real cultural. E só em momentos de grande crise política, económica e social é que a humanidade dita desenvolvida recupera os princípios sagrados fundadores da sociedade para garantia da coesão social na luta contra as ameaças internas e externas.
Esta progressiva dessacralização, em quase todos os aspectos positiva, foi sendo associada ao culto do hedonismo, vulgo prazer e felicidade, sem cuidar da preocupação por princípios fundamentais. E a despreocupação por estes princípios tem vindo a (des)humanizar o ser humano na medida em que outorgou ao Estado Providência (Século XIX) e ao Estado Social (Século XX) a responsabilidade de pensar pelo cidadão e de resolver-lhe os problemas.
Chegados aqui, quanto mais o Estado concede e facilita a obtenção da felicidade material mais os cidadãos hedonistas se demitem de pensar nos princípios fundamentais, reclamando cada vez maiores facilidades e felicidades no seu viver sensual e materialista, impedindo-os de pensar nas questões de fundo. E a questão de fundo, prudente e virtuosa, é que a vida é um bem inalienável, onde não podemos abrir uma brecha, e que se há razões para abortar, nem todas a razões podem servir para abortar. Daí que a questão formulada pelos nossos «homens» deputados da Assembleia da República seja imprudente e desvirtuosa porque não permite votar a favor do aborto por razões ponderosas. Mas para um Estado em crise económica é um bom álibi para não conceder apoios à maternidade e às crianças caso o «sim» vença.
O movimento de despenalização do aborto insere-se neste movimento social de facilitismo e de felicidade fácil. A grande maioria dos seus defensores nem se apercebe disso. É mais fácil despenalizar o aborto do que organizar a sociedade para a protecção da maternidade e da criança.
Reclamando-se de modernos, os defensores do «sim» manifestam-se também profundamente machistas, do machismo autocrático que domina as culturas patriarcais mais retrógradas. Chamo a atenção para isto porque a pergunta do referendo pode ser inconstitucional, na medida em que só responsabiliza a mulher e não obriga nem permite ao pai ter aí uma palavra. Só que ninguém suscitou a fiscalização deste ponto de vista.
Mas, por outro lado, este movimento facilitista e hedonista na defesa do «sim» ao aborto e de uma sexualidade fácil, deve alertar os defensores do «não» para a assunção de atitudes coerentes de defesa e promoção da educação sexual e de uso dos métodos contraceptivos, na família, na escola ou fora delas, e de mobilização para a reivindicação e organização coerentes de protecção à maternidade e ao bem-estar e boa educação da criança. Até porque estamos num período histórico em que precisamos mais de crianças do que em qualquer outro período da nossa história passada.
Bragança, 13/01/2007
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