sexta-feira, dezembro 29, 2006

Iluminações (de Natal)

A Shiznogud leu o meu post e resolveu responder. Primeiro, invocou a fé, depois gracejou com sociedades secretas e finalmente, quando eu julgava que ela ia dizer "eu não concordo com o Dr. Daniel Serrão porque...", resolveu procurar alguma contradição para ver se escapava airosa da discussão. Já dizia o meu saudoso avô: o humor, ou é usado para exprimir uma grande inteligência ou é usado para disfarçar a falta dela.

A suposta contradição por ela encontrada reside no mecanismo de funcionamento do DIU. Este mecanismo, tal como a pílula do dia seguinte, pode provocar a morte do embrião nos primeiros dias da sua formação, o que não quer dizer que seja sempre este o mecanismo de actuação, já que ambos podem impedir a própria fecundação. O que a Shiznogud não consegue entender é que os apoiantes do "não" possam abrir excepções às suas convicções. Eu compreendo-a: é difícil resistir à intoxicação intelectual dos slogans do BE. Aliás, de certeza que pensa que eu consulto a Bíblia antes de escrever qualquer post.

A lei actual prevê explicitamente 3 excepções ao direito à vida: o risco de saúde para a mulher, as anomalias do feto ou a violação. O estado, implicitamente, prevê mais duas excepções: o uso da pílula do dia seguinte e o uso do DIU que, como já se viu, podem ser abortivos. Lamento desiludi-la se chegar à conclusão que afinal não sou um fundamentalista, mas sabe, eu defendo a vida com base na razão e não na fé.

6 comentários:

FuckItAll disse...

Eu vou pensar que essa do BE tem a ver com a pouca idade de quem escreve (se o 79 do email corresponde a data de nascimento), com pertencer a uma geração que julga que o Bloco inventou alguma destas questões, porque nós antes de meados dos anos noventa andávamos para aqui a olhar para o ar... Saiu-lhe o tiro ao lado, que nem é por essa banda que nos mexemos. Mas se fosse? Continuo a não ver a pertinência de rotular o interlocutor: ou se tem argumentos ou não, isso é que devia contar.

fernando alves disse...

Desculpe a piada, mas não resisti. No entanto, folgo em saber que não deixa que ninguém a influencie. É que, assim como do nosso lado corremos o risco de ser influenciados pela Igreja e pelos seus padres, também do vosso se corre o risco de ser influenciado pelo BE e pelos seus padres, opss, quero dizer, pelo Louçã.

Ana Matos Pires disse...

Caso não vá ver a caixa de comentários do Womenageatrois (II)*

1. O seu avô tinha carradas de razão e a máxima é completamente aplicável à Shyza: o humor e a inteligência são dois especificadores qua a caracterizam.
2. Sobre DIU e pílula do dia seguinte... Errado! A Pílula não impede a fecundação e o DIU pode ou não impedi-la.
A acção do DIU faz-se através de diferentes mecanismos: interferência com a mobilidade dos espermatozóides, com o transporte do óvulo e com a fertilização. Além disso, pelo seu efeito pró inflamatório, pode impedir a nidação ou determinar a exclusão do ovo já "colado" à parede uterina. Alguns DIUs têm, como acção coadjuvante e potenciadora, interferência na libertação de hormonas sexuais.
Já a pílula do dia seguinte tem uma acção bioquímica e não mecânica. Ela actua por inibição da implantação da mórula, não impede a fecundação, daí ser abortiva. Ah! E não é, ao contrário do DIU, um método contraceptivo. É uma alternativa possível se existir alguma falha na utilização de um método contraceptivo.
3. Qual intoxicação, qual BE, qual quê! Nem a Shyza nem ninguém consegue entender o "nim" dos apoiantes do "não". Quando se "abrem excepções" às convicções elas, por definição, deixam de o ser.

*com ligeiras alterações na quantidade e na forma

fernando alves disse...

Acabei agora mesmo de responder lá às suas dúvidas, mas transcrevo para aqui o que disse lá:

Vamos lá ver se me faço entender:
1. A pílula do dia seguinte, pelo seu alto teor em hormonas ou derivados de hormonas ováricas, pode provocar uma retroacção negativa sobre o complexo hipotálamo-hipófise, desencadeando uma menor libertação de LH e FSH e portanto uma menor estimulação do corpo amarelo com a consequente baixa de hormonas no sangue e, inevitavelmente, a menstruação. Ou seja, a menstruação pode ocorrer antes da fecundação. Por isso mesmo é a que a pílula do dia seguinte pode evitar a fecundação.
2. Respondendo à me e ao Luis: se tirarem da cabeça a ideia de que somos uns fundamentalistas, depressa compreenderão as excepções aos princípios.
3. A pedofilia foi apenas usada para elucidar uma possível contradição do raciocínio da fuckit, tal como a shyznogud usou o DIU para elucidar uma contradição no meu raciocínio.
4. Os trabalhos de Piaget, Rousseau e Freud não acabaram com o trabalho infantil mas influenciaram a sociedade a mudar de opinião acerca da infância.
5. O facto de, na Idade Média, a esperança de vida ser 35 anos, não explica o trabalho infantil nem os casamentos precoces. O facto é que as crianças eram tratadas como adultos. Uma das provas, embora não muito elucidativa, são as pinturas da época, onde se pode ver que não havia distinções de relevo entre as crianças e os adultos.
6. Eu falei da evolução das ecografias mas também falei da genética. Além disso, cara me, as ecografias evoluíram muito desde esses tempos. A propósito dessas novas técnicas, aconselho o visionamento do documentário Life in the Womb, da National Geographic.

Ana Matos Pires disse...

Nota prévia: Olhe que não eram dúvidas, eram afirmações.

1. Em Portugal estão comercializados como "dois produtos "pílula do dia seguinte" Norlevo (levonorgestrel, progesterona like), e Tetragynon (levonorgestrel + ethinylestradiol, isto é, progesterona like+estrogénio like), dois compostos hormonais diferentes, como se entende, cuja acção completa não é tão simples quanto a descrição dos mecanismos de retroalimentação que aqui deixou pode fazer pensar.

Além disso, deixe-me aconselhá-lo a ter cuidado com afirmações pouco científicas como "... inevitavelmente, a menstruação. Ou seja, a menstruação pode ocorrer antes da fecundação. Por isso mesmo é a que a pílula do dia seguinte pode evitar a fecundação.", em particular com o "inevitavelmente", "Ou seja" e "Por isso mesmo".
2. Não sei o que o Luís pensa, mas eu tenho na cabeça, e não quero tirar, que são fundamentalistas. Independentemente disso, até porque não vejo a relação da coisa, não compreenderei nunca "as excepções aos princípios".
3. Aqui pra nós que ninguém nos ouve... não foi fantástico ter usado o exemplo da pedofilia com esse propósito, podia ter sido mais feliz na escolha, verdade?!
4. Sobre o efeito pedagógico dos trabalhos de Freud nesta temática... tenho algumas dúvidas, para não dizer que discordo.
5. Idade média, esperança de vida,
trabalho infantil e casamentos precoces... pois não, só que objectivamente os estádios do desenvolvimento humano, tal como agora os entendemos, não são passíveis de aplicação (é uma questão metodológica e de comparabilidade, certo?). Qto à pintura... cf. comentário de uma das mentes iluminadas.
6. E eu também falei de estudos genéticos. Ah! Obrigada pela preocupação e pela sugestão, verei o documentário, mas todos os dias, no hospital, tenho oportunidade de saber novas sobre técnicas ecográficas e outros assuntos médicos.

fernando alves disse...

A me é um osso duro de roer...

1. Retire os termos "inevitavelmente", "ou seja" e "por isso mesmo" e substitua por "poder ser que" e vai ver que tudo faz sentido. Como lhe disse, em alguns casos, "pode ser que" a pílula do dia seguinte impeça a fecundação.

2. Não, não sou fundamentalista, acredite. E acho que a me é uma pessoa inteligente e, como pessoa inteligente, deveria abrir um pouco mais a sua mente, não ser tão "casmurra".

3. Na Holanda, há um partido político(ou projecto, agora não me recordo) que defende a pedofilia.

4. Repare, Freud elaborou teorias onde dividiu a evolução do ser humano em várias etapas (veja os textos dele sobre a libido). Ao dividir em várias etapas, está a por em causa a divisão tradicional da Idade Média (e não só) que postulava uma passagem imediata de um estádio a outro, nomeadamente através do aparecimento da primeira menstruação ou de rituais de transição (já ouviu falar dos caretos de Bragança?).

5. Quanto à pintura, como lhe disse, não é uma prova conclusiva, mas dê uma vista de olhos nos quadros de Velasquez.

6. Ainda bem que percebe de genética que trabalha num meio onde tem acesso a informação privilegiada. Eu também trabalho, não num hospital mas também num sítio onde lido diariamente com este tipo de questões.

Espero tê-la esclarecido. Seja sempre bem-vinda.