O caso da pequena Sara, a menina de dois anos que ontem deu entrada no Centro de Saúde de Monção com uma paragem cardio-respiratória, e que acabou por morrer no hospital, e cuja autópsia revelou indícios inequívocos de maus-tratos, forneceu aos defensores do «sim» no referendo sobre o aborto um argumento tão hipócrita quanto escabroso. Depois de a autópsia ter revelado, de forma conclusiva, a existência de lesões traumáticas no crânio, no tórax e na zona abdominal da criança, que terão sido responsáveis pela sua morte, e de terem sido igualmente confirmadas lesões antigas que reiteram a suspeita da prática continuada de maus-tratos, um comentador da notícia no site do PortugalDiário conclui que, e passo a citar:
“Se gente como esta tivesse hipótese de abortar, se calhar não deixava vir filhos ao mundo para depois os maltratar. Hipócritas são os que dizem «não» ao aborto e depois ficam chocados de ver recém-nascidos no caixote do lixo”.
Diante deste depoimento, que lamentavelmente foi assinalado pela equipa do jornal online como “o melhor do leitor”, permito-me concluir (da mesma forma injusta com que aqueles que dizem «sim» metem no mesmo saco todos os que dizem «não») que apenas os defensores do «não» ficam chocados com notícias sobre bebés deixados à morte em baldes do lixo, enquanto os defensores do «sim» conseguem a proeza de ficar incólumes ao choque. Esquece-se este leitor de um ou dois aspectos importantes nesta discussão: primeiro, não há nenhuma evidência que aponte para o facto de este casal ter sequer pensado na hipótese de um aborto, tanto mais que Sara era a mais nova de quatro filhos. Segundo, se há neste caso alguém que merecia ter sido vítima de um aborto não era a Sara, mas os pais dela, e os outros pais todos que submetem os seus filhos a um sofrimento parecido com o que estes infligiram a esta criança, que finalmente – ainda que da pior forma possível – se viu livre deles.
Comentário semelhante a esse ouvi esta tarde, de uma pessoa que considero dotada de inteligência e capacidade de raciocínio, esposa dedicada e mãe extremosa. Dizia-me ela que “era melhor terem abortado do que tratarem assim a menina”. O melhor mesmo, neste caso, era que as instâncias competentes tivessem agido em tempo útil. É que a menina já tinha sido “assinalada” (é a palavra gira que as entidades oficiais usam para dizer que já sabiam do que se passava nestes casos, mas que não tomaram medidas), primeiro pela Comissão de Protecção de Menores de Viseu, onde a família residia antes de se mudar para Monção, por suspeitas de negligência, e depois pela entidade congénere naquele concelho minhoto, já pela alegada prática de maus-tratos sobre a menor, devido a uma queixa apresentada pela creche que Sara frequentava, e onde tantas vezes tinha sido vista com nódoas negras, dedos cortados e hematomas na cabeça e nos membros inferiores. Pena é que a Segurança Social tenha esperado pela morte da Sara para finalmente pôr a salvo os seus três irmãos, todos menores de cinco anos, com um pai que já esteve preso e uma mãe que só tem 24 anos de idade. Chamem-me preconceituosa, se quiserem, mas com pais destes...
3 comentários:
Bom dia, caro Fernando Alves. Vejo com agrado que subscreve a minha indignação relativamente ao caso da Sara, que infelizmente não é único. E não deixa de ser lamentável, embora não se compare ao drama desta e de tantas outras crianças, o facto de os defensores do «sim» aproveitarem tudo o que meta meninos e meninas maltratados para tentar justificar o aborto. Eu preferia, neste caso, dar o «sim» à pena de morte (mas contentava-me com prisão perpétua para estes dois monstros, que um dia ousaram ser pais de quatro inocentes)...
O seu texto foi profético já que, como seria de esperar, houve alguns bloggers a aproveitar o caso para justificar o aborto. Tenho pena que não critiquem a actuação das assistentes sociais que, se tivesse sido mais profissional, teria evitado a morte horrenda desta criança e o uso do caso pelos abortistas da nossa praça.
Obrigada pelas palavras amáveis, caro Fernando. De facto, começo a perceber que quem não tem argumentos se serve mesmo de qualquer coisa para fazer valer as suas posições. O que esta menina, a Sara, merecia, ela e tantas outras crianças que sofrem no mundo, era o luto dos adultos, o respeito pelo seu sofrimento, e pela forma como o foi suportando, quase de certeza amando aqueles que a maltratavam. Aborto, quando muito, era a solução para os pais, mas eu, ainda assim, defendia uma vasectomia e uma laqueação das trompas.
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