Texto do Pedro Picoito, publicado no Público e no Blogue do não
Talvez
Em todas as campanhas do aborto, e já vamos na terceira, há sempre momentos em que a intolerância dos exaltados vem ao de cima. Do lado do “sim” no próximo referendo, o texto de Madalena Barbosa “A prisão e o aborto” (Público, 22/11/06) é um desses momentos. Não vou perder muito tempo com os impropérios da autora, “especialista em igualdade de género” (novo título, ao que parece, das feministas radicais de antanho). Lembro apenas a insinuação grotesca de que “os movimentos pró-vida têm boas estratégias, importadas talvez dos Estados Unidos, onde usaram o terrorismo para tentar acabar com os direitos das mulheres” através de “centenas de atentados bombistas e assassinatos”. Seria matéria para os tribunais e não para os jornais. Mas os argumentos em defesa da liberalização do aborto merecem resposta, sobretudo por serem tão repetidos.
Comecemos pelo princípio. “O aborto é mau” e quem o faz “renuncia por vezes a uma criança que até desejaria ter, se pudesse”. Mas não pode porque, com filhos, “não arranja emprego, não progride na carreira, vai trabalhar mais por menos remuneração, não tem casas apropriadas, não tem creches, não tem tempo para estudar, não pode fazer os horários extraordinários que agora exigem aos técnicos licenciados”. Sabendo embora que há mais mulheres do que as licenciadas, concordo inteiramente. Vejo tudo isso em minha casa. O que eu não vejo é a mesma energia por parte dos defensores do “sim” para combater os males que tão oportunamente denunciam. Não conheço estudos de “especialistas em igualdade de género” sobre a discriminação das mães no mercado de trabalho. Não recordo nenhuma iniciativa legislativa dos partidos que propõem a liberalização do aborto para diminuir o IVA sobre as fraldas. Não vislumbro a mais leve preocupação do Governo em cobrir o país com uma boa rede de escolas e maternidades. Pelo contrário: só vislumbro a óbvia solicitude em fechá-las, ao mesmo tempo que anuncia ir comparticipar abortos em clínicas privadas. Para estes paladinos dos direitos das mulheres, o aborto é a única solução, o anticonceptivo que nunca falha. Nada mais têm a oferecer-lhes além do “aborto nas primeiras dez semanas, quando a vida humana ainda não o é.”
Compreende-se que quem proclama não haver mais nenhuma solução, mas nada faz para que haja, proclame também que antes das dez semanas não há vida humana. O que há então? Vida piscícola, já que o feto vive dentro de água? E por que súbito milagre, decretado pela Assembleia da República, passa a haver vida humana depois das dez semanas? Estes malabarismos conceptuais mostram bem o que procura o “sim” no referendo: a liberalização do aborto e não a sua despenalização. Leia-se a pergunta que vai a votos. As únicas condições para permitir a prática de aborto até às dez semanas são a “opção da mulher” e a realização da cirurgia “em estabelecimento legalmente autorizado”, público ou particular. O aborto passa a ser totalmente livre e, mais do que isso, um negócio subsidiado pelos nossos impostos.
No intuito de desviar as atenções de coisas tão evidentes, os defensores da liberalização costumam invocar o aborto clandestino, por um lado, e as “marcas psíquicas de uma gravidez forçada”, por outro. Omitem, porém, as marcas - psíquicas e não só - que um aborto, clandestino ou legal, deixa sempre nas mulheres. E omitem que em todos os países que abriram as portas à liberalização o número total de abortos aumentou exponencialmente. Há hoje uma alarmante quantidade de dados empíricos que provam isso.
E isso é o que devemos discutir, não os “talvezes” delirantes de uma “especialista em igualdade de género”. Quando o nível desce da inverdade dos factos à calúnia das pessoas, já não é o aborto, ou a vida, ou os direitos das mulheres que estão em causa, mas a mera possibilidade de convivência democrática. Talvez Madalena Barbosa não queira esse debate. Talvez não queira a liberalização do aborto, mas a do insulto. Talvez queira apenas eliminar a diferença – primeiro a de género, depois a de opinião. Talvez.
Talvez
Em todas as campanhas do aborto, e já vamos na terceira, há sempre momentos em que a intolerância dos exaltados vem ao de cima. Do lado do “sim” no próximo referendo, o texto de Madalena Barbosa “A prisão e o aborto” (Público, 22/11/06) é um desses momentos. Não vou perder muito tempo com os impropérios da autora, “especialista em igualdade de género” (novo título, ao que parece, das feministas radicais de antanho). Lembro apenas a insinuação grotesca de que “os movimentos pró-vida têm boas estratégias, importadas talvez dos Estados Unidos, onde usaram o terrorismo para tentar acabar com os direitos das mulheres” através de “centenas de atentados bombistas e assassinatos”. Seria matéria para os tribunais e não para os jornais. Mas os argumentos em defesa da liberalização do aborto merecem resposta, sobretudo por serem tão repetidos.
Comecemos pelo princípio. “O aborto é mau” e quem o faz “renuncia por vezes a uma criança que até desejaria ter, se pudesse”. Mas não pode porque, com filhos, “não arranja emprego, não progride na carreira, vai trabalhar mais por menos remuneração, não tem casas apropriadas, não tem creches, não tem tempo para estudar, não pode fazer os horários extraordinários que agora exigem aos técnicos licenciados”. Sabendo embora que há mais mulheres do que as licenciadas, concordo inteiramente. Vejo tudo isso em minha casa. O que eu não vejo é a mesma energia por parte dos defensores do “sim” para combater os males que tão oportunamente denunciam. Não conheço estudos de “especialistas em igualdade de género” sobre a discriminação das mães no mercado de trabalho. Não recordo nenhuma iniciativa legislativa dos partidos que propõem a liberalização do aborto para diminuir o IVA sobre as fraldas. Não vislumbro a mais leve preocupação do Governo em cobrir o país com uma boa rede de escolas e maternidades. Pelo contrário: só vislumbro a óbvia solicitude em fechá-las, ao mesmo tempo que anuncia ir comparticipar abortos em clínicas privadas. Para estes paladinos dos direitos das mulheres, o aborto é a única solução, o anticonceptivo que nunca falha. Nada mais têm a oferecer-lhes além do “aborto nas primeiras dez semanas, quando a vida humana ainda não o é.”
Compreende-se que quem proclama não haver mais nenhuma solução, mas nada faz para que haja, proclame também que antes das dez semanas não há vida humana. O que há então? Vida piscícola, já que o feto vive dentro de água? E por que súbito milagre, decretado pela Assembleia da República, passa a haver vida humana depois das dez semanas? Estes malabarismos conceptuais mostram bem o que procura o “sim” no referendo: a liberalização do aborto e não a sua despenalização. Leia-se a pergunta que vai a votos. As únicas condições para permitir a prática de aborto até às dez semanas são a “opção da mulher” e a realização da cirurgia “em estabelecimento legalmente autorizado”, público ou particular. O aborto passa a ser totalmente livre e, mais do que isso, um negócio subsidiado pelos nossos impostos.
No intuito de desviar as atenções de coisas tão evidentes, os defensores da liberalização costumam invocar o aborto clandestino, por um lado, e as “marcas psíquicas de uma gravidez forçada”, por outro. Omitem, porém, as marcas - psíquicas e não só - que um aborto, clandestino ou legal, deixa sempre nas mulheres. E omitem que em todos os países que abriram as portas à liberalização o número total de abortos aumentou exponencialmente. Há hoje uma alarmante quantidade de dados empíricos que provam isso.
E isso é o que devemos discutir, não os “talvezes” delirantes de uma “especialista em igualdade de género”. Quando o nível desce da inverdade dos factos à calúnia das pessoas, já não é o aborto, ou a vida, ou os direitos das mulheres que estão em causa, mas a mera possibilidade de convivência democrática. Talvez Madalena Barbosa não queira esse debate. Talvez não queira a liberalização do aborto, mas a do insulto. Talvez queira apenas eliminar a diferença – primeiro a de género, depois a de opinião. Talvez.
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