sábado, novembro 18, 2006

Direito de resposta

A Fernanda Câncio responde à avalanche de posts sobre a entrevista por ela publicada no Glória fácil.

Salta à vista uma coisa óbvia: a Fernanda olha para todos os defensores da vida como se todos fossemos a tal “minoria de fanáticos”. É incapaz de compreender que possamos abrir excepções às nossas convicções. É incapaz de se aperceber que, afinal, os tais “fanáticos” possam aceitar que se aborte em caso de violação, de risco para a mulher ou de deficiência do feto. Sim, porque todos nós consideramos que vida é vida mesmo que ela seja resultado de uma violação. Mas temos coração, temos compaixão. Somos incapazes de impor um sofrimento desse género a uma mulher violada. Somos incapazes de impor uma gravidez de risco a uma mulher. E sabe que mais: não vamos colocar bombas nas clínicas de abortos se o “sim” ganhar. Nem vamos exigir outro referendo 8 anos depois para ver se dessa vez ganhamos nós. Vamos simplesmente aceitar a decisão da maioria.

E já que a Fernanda “doa argumentos de bandeja” ao outro lado, permita-me também fazer o mesmo: já referi neste blogue que considero fútil e cruel fazer abortos por motivos económicos. No entanto, se fosse necessário chegar a um acordo com os defensores do “sim” estaria disposto a aceitar essa excepção. E sabe porquê? Porque acima de tudo não gostaria que o aborto de massificasse e realizasse por razões totalmente absurdas. Aceitaria o aborto por questões económicas. Nunca o aceitaria por descuidos ou falta de consciência sexual. Porque, até que engravida, a mulher pode (1) tomar a pílula ou aplicar um DIU, (2) exigir o uso de preservativo ou usar um diafragma ou (3) tomar a pílula do dia seguinte. Desculpe, Fernanda, mas são muitas hipóteses para ter consciência. E sim, lamento, mas estou a acusar as mulheres que abortam e os seus homens de leviandade e falta de prudência.

E concordo consigo: não estamos aqui a escolher entre o bem e o mal. Mas estamos aqui a lutar por princípios. O vosso lado rende-se à luta e diz “já que isto vai acontecer sempre, será melhor dar-lhes boas condições para o fazerem”. O nosso lado vai à luta e diz “vamos apoiar as mulheres para que possam ter os seus filhos, vamos responsabilizar os homens para que estes prestem apoio às suas mulheres, vamos apostar na educação sexual e na informação, vamos apostar na consciencialização da sexualidade, vamos construir centros de apoio a mães adolescentes, vamos agilizar os processos de adopção”.

No fundo, são duas visões diferentes para resolver o mesmo problema.

6 comentários:

Orlando Braga disse...

Subscrevo, em geral. Contudo, continuo a pensar que a liberalização do aborto por razões económicas, para além de ser uma "caixa de pandora", é a capitulação perante as aspirações legítimas de uma sociedade mais justa.

fernando alves disse...

Tem toda a razão. Como referi, penso que isso seria fútil e cruel. No entanto, estaria disposto a concordar se isso fizesse com que os abortistas desistissem do aborto por qualquer motivo.
É claro que as situações teriam de ser muito bem analisadas.

anabananasplit disse...

«É incapaz de compreender que possamos abrir excepções às nossas convicções.»

Como é que se abrem excepções às convicções? Só se a convicção não for lá muito sólida, não?

«É incapaz de se aperceber que, afinal, os tais “fanáticos” possam aceitar que se aborte em caso de violação, de risco para a mulher ou de deficiência do feto. Sim, porque todos nós consideramos que vida é vida mesmo que ela seja resultado de uma violação. Mas temos coração, temos compaixão. Somos incapazes de impor um sofrimento desse género a uma mulher violada. Somos incapazes de impor uma gravidez de risco a uma mulher.»

Ah, claro. Consideram que se é uma "pessoa" desde a primeira célula e por isso não podemos abortar uma gravidez, mas se a mãe tiver sido violada já é mais relativo. Como é filho de um pai que não merece o ar que respira já não vale tanto quanto os outros embriões, claro. E se for deficiente, então ainda é mais compreensível, claro, claro. Estou a ver a força da convicção.

Porque pelos vistos isto trata-se de castigar a mulher, não é verdade? Fez merda, não cumpriu tudo certinho com o seu sistema anticoncepcional por isso agora ela que arque com as consequências. Então um filho é uma punição, será?

«já referi neste blogue que considero fútil e cruel fazer abortos por motivos económicos.»

Mais fútil e cruel será não fazer um aborto por motivos económicos e condenar à miséria uma família inteira.

«Aceitaria o aborto por questões económicas. Nunca o aceitaria por descuidos ou falta de consciência sexual. Porque, até que engravida, a mulher pode (1) tomar a pílula ou aplicar um DIU, (2) exigir o uso de preservativo ou usar um diafragma ou (3) tomar a pílula do dia seguinte. Desculpe, Fernanda, mas são muitas hipóteses para ter consciência. E sim, lamento, mas estou a acusar as mulheres que abortam e os seus homens de leviandade e falta de prudência.»

Ora bem, como deve saber 100 % de eficácia só se for um copo de água em vez de. Muitas mulheres são incompatíveis com anticoncepcionais hormonais. Há casais para quem o preservativo não serve (alergias, irritações dérmicas, etc). Nem todas as mulheres podem usar DIUs, como concerteza saberá. Os diafragmas não são dos métodos mais seguros. A pílula do dia seguinte não oferece 100 % de garantias de eficácia.

Se uma mulher que faça tudo certinho direitinho e mesmo assim engravidar sem querer e decidir que realmente não pode ou não quer levar por diante uma gravidez, deve ser obrigada a seguir com ela "para aprender"? Mas neste caso seria caso para perguntar "mas aprender o quê?", só se for que não pode ter uma vida sexual se não pode/quer ter filhos. Acha isso plausível?

fernando alves disse...

Cara Ana,
também eu gostaria de viver numa sociedade onde não há sofrimento e contrariedades para ninguém. Mas pense bem: a Ana seria a pessoa que é hoje se não tivesse tido as suas "fases más". É certo que as devemos evitar sempre que pudermos mas elas são parte indissociável da nossa vida.
Dito isto, é óbvio que penso que devemos aceitar as contrariedades e os azares da vida e fazer deles um desafio, ser feliz com eles.

Quanto às excepções nas minhas convicções, recomendo-lhe a leitura dos posts da Mafalda, do Blogue do não, sobre a justificação jurídica dessas excepções. Não pense que estou a fugir à questão, mas penso que a Mafalda, que é uma especialista na área, explica isso muito melhor do que eu.

anabananasplit disse...

Não seria a pessoa que sou hoje, seria uma pessoa diferente, talvez melhor, talvez pior, talvez similar. Ninguém sabe.

As contrariedades são úteis e imprescindíveis para contruir a nossa personalidade, o nosso carácter, a nossa força. Mas não cabe a terceiros decidir que contrariedades serão boas para mim.

Como o Fernando disse, "aceitar as contrariedades [toda e qualquer uma?] e os azares da vida e fazer deles um desafio, ser feliz com eles" é a sua opinião de como se deve viver a vida. De como o Fernando quer viver a SUA vida. É uma opinião pessoal. Outros acharão que não devem render-se aos azares da vida e lutar por ultrapassá-los. O Fernando quer impôr aos outros a sua própria visão do que a vida é e como deve ser encarada e vivida, e isso não está certo. Não tem nada que se meter na vida dos outros. A sua liberdade acaba onde começa a dos outros. Se o vizinho do lado não o estiver a prejudicar com as suas opções de vida (e aqui não entram as "sensibilidades" e susceptibilidades feridas como o caso dos católicos e Cia que acham que ninguém pode fazer nada que os "ofenda" nos seus gostos e opiniões), o Fernando (ou o Estado) não pode ter nada a impôr-lhe.

fernando alves disse...

A Ana disse "A sua liberdade acaba onde começa a dos outros." Pois bem, eu penso que a liberdade de uma mãe acaba onde começa liberdade do seu filho. E é dever de toda a sociedade zelar pelos mais fracos, por isso não entendo que esteja a impor a minha vontade a ninguém mas sim a proteger alguém inocente e desprotegido.
Não tem lógica dizer "na minha barriga mando eu" por muito que isso pareça machismo (não é, acredite). Eu sei que, infelizmente, muitas vezes os homens escapam às suas responsabilidades mas imagine o seguinte: que acontece que a mãe quiser abortar e o pai quiser a criança? O pai não tem palavra a dizer? E significa isso que está a impor a sua vontade à mãe?