segunda-feira, novembro 20, 2006

Coração e Compaixão por quem?

A Fernanda Câncio acusa-me de não ter coração e compaixão. O AAA já lhe respondeu muito bem. Mas não poderia deixar de dar a minha resposta. Ora, segundo ela (já sei com o que conto, se me der para o truca-truca sem cuidados ou se a pílula ou outra coisa qualquer não funcionar. nem coração nem compaixão), eu deveria ter compaixão por:
1. alguém que lhe deu para o truca-truca sem cuidados
2. alguém que se negou a tomar a pílula ou a usar um DIU
3. alguém que se negou a exigir o uso de preservativo
4. alguém que se negou a usar um diafragma
5. alguém que se negou a tomar a pílula do dia seguinte mesmo quando não usou preservativo ou ele rompeu
6. alguém que teve um "acidente" com qualquer método contraceptivo mesmo que a eficácia de muitos ronde os 99%
7. alguém que quer abortar porque não tem dinheiro mesmo quando existem associações que as ajudam ou quando podem dar os filhos em adopção
8. alguém que quer abortar porque deu umas facadinhas no casamento
9. alguém que quer abortar porque só tem 14 anos (e os métodos contraceptivos servem para quê?)
10. alguém que quer abortar porque simplesmente lhe apetece

Ora, Fernanda, perdoe-me por não ser tão fútil como você, mas não consigo ter princípios semelhantes aos seus por muito que tente. Acima de tudo, tenho compaixão e coração por quem está mais desprotegido nesta história toda: a criança que está por nascer.

12 comentários:

Cingab disse...

apoiado

Jorge Vassalo disse...

Pese embora o primarismo do ataque à "futilidade" da Fernanda Câncio, há que realçar aqui alguns pontos extremamente interessantes:

1. O Fernando quer proteger o direito da criança nascer, mas é-lhe absolutamente indiferente se os pais da mesma tem dinheiro ou meios para lhe fornecer os cuidados necessários. É-lhe igualmente indiferente se ela vai parar a um lar de adopção e possa, como tantas outras, ser vítima de muito tipo de maus tratos - dos mais variados - ou sofrer psicologicamente por desconhecer os pais (nem todas as crianças são adoptadas de imediato sabe). Para além de que é obviamente hipócrita pensar-se que as instituições em Portugal tem o que lhes seria exigido para cuidar da dita "criança com direito a nascer".

2. É, no entender do Fernando, absolutamente indesculpável qualquer tipo de acidente que se tenha no uso de qualquer método contraceptivo, e nada mais se poderá fazer acerca disso a não ser que, se notada a tempo...

3. .. se tome a pílula do dia seguinte - da qual não desacorda minimamente - que tem efeitos ABORTIVOS práticos!

Suprema hipocrisia esta de quem deve ser extremamente afortunado por nunca nada lhe ter acontecido. Que a bem-aventurança assim o conserve, caro amigo!

fernando alves disse...

Caro Jorge,

1. Acredito que tanto eu como você queremos proteger os direitos das crianças por nascer. Mas enquanto eu me foco no direito à vida, o Jorge foca-se no direito à vida com dignidade. É óbvio que eu também prezo a dignidade da vida da criança mas, no entanto, não penso que ela esteja dependente de factores económicos. Concordo plenamente que a adopção não seja o ideal, mas é o possível, e preferia que o dinheiro dos meus impostos fosse investido em melhorar os apoios às grávidas com poucas condições económicas do que em fazer abortos. E mais: tenho a certeza que concordará que uma criança poderá ser feliz mesmo que não tenha dinheiro ou que seja abandonada pelos progenitores.

2. Desafio o Jorge a tentar encontrar casos de gravidez ocorrida por "acidente" com um método contraceptivo. Vai ver que não são assim tantos.

3. A pílula do dia seguinte não tem necessariamente efeitos abortivos. Além disso, o Jorge parte do princípio que sou um fundamentalista que pensa que não se deve abortar em nenhum caso, o que é mentira.

Quanto a ser hipócrita, é um insulto bastante comum aos que defendem a vida. Mas acredite que não o sou e tenho pena que pense assim de todos os que defendem a vida.

Bem vindo ao debate e seja livre de deixar a sua opinião sempre que quiser.

Jorge Vassalo disse...

Ora bem, para que isto não se torne penosamente gigante, neste tenis que concordará não faz grande sentido, e porque apenas venho realçar coisas e não argumentar - claramente nenhum de nós vai mudar de posição, e não é isso que pretendo -:

1. Ao ponto 1 da sua resposta, dirijo-o ao meu blogue onde já escrevi um post sobre o tópico focando esse ponto. Não se trata de dinheiro mas sim das condicionantes fisicas, psicologicas e materiais que EM REGRA uma gravidez planeada e desejada (onde se equacionou tudo, desde o preço das fraldas, da comida, o quarto, o berço, etc - se já teve um filho ou filha saberá - à própria disponibilidade emocional da mãe e do pai para a vinda do filho, a organização da vida, disponibilidade do trabalho, porque, friso , em REGRA não se tem um filho assim, por ter) não enfrenta. Uma surpresa deste género, pese embora disponha de 9 meses para se acertar, pode e vai, na maioria dos casos - a GRANDE maioria creia - afectar as proprias crianças e o seu crescimento e maturação. E como já escrevi no meu blogue, claro que temos até casos famosos de pessoas que nasceram na extrema pobreza e que depois se tornaram bem sucedidas - a expensas dos pais e de sabe-Deus quais sacrifícios. Mas é isso que acha que deveria ser a REGRA?
Em Portugal, sabe bem que a utopia idílica da expressão "preferia que os meus impostos" seguida do que quer que seja não se aplica. E aí está a hipocrisia, repito, hipocrisia, de se saber com o que contamos e esperar algo utópico e, para já, irrealista. Não existe. As condicionantes são as presentes, não a expectativa do futuro.

2. Na minha profissão tomo contacto com IMENSA gente - ficaria então surpreendido com o número - que passa por essas situações, por diferentes vias, e nem todas irresponsáveis, como sugere. E, se defende a vida como eu (com DIGNIDADE E DIREITOS) saberá que isso não é motivo suficiente para se ter uma criança no mundo.

3. Quando se falou acesamente sobre o debate da dita pílula, era assim referida. Tecnicamente isso não é um aborto, mas se for ser extremista no "direito à vida" não é um aborto interromper o processo desde o momento em que o embrião é fecundado? Se a pessoa que tomar a pílula tiver engravidado anteriormente, é certo que está a abortar.

4. Saberá certamente que os meus reparos não são pessoais, mas dirigidos à argumentação.

Obrigado por ter respondido.

FuckItAll disse...

A questão não é se a gravidez é planeada. Também não me parece relevante saber que tipo de acidente esteve na sua origem e que culpas devem ser assacadas a quem.
O que importa é saber se, uma vez ocorrida a gravidez, ela é bem vinda, quer tenha ou não sido desejada a priori. Se a mulher (acompanhada ou não) se sente capaz de ter uma vida nova dependente da sua por um longuíssimo período. Isto de ter filhos não é acerca de gostar de bébés ou nos compadecermos com fetos; é acerca de dedicar boa parte do nosso tempo e energia futuros a criar uma pessoa. Isto não é um processo leve mesmo quando entramos nele de livre vontade.
Assim, parece-me tudo menos fútil levar em consideração aquilo que a mulher quer. Parece-me mesmo o essencial. Fútil é achar boa ideia impôr uma gravidez como se fosse uma coisa pequena. Fútil é criar mães e pais que o não querem ser, e deixar assim crianças nas mãos de quem não sente disponibilidade para elas.

fernando alves disse...

Caro fuckitall,
se quer defender os direitos da mulher tem que assumir que ela tem de ter responsabilidades também. O direito à liberdade não existe sem o dever da responsabilidade.
Portanto, coloca-se mesmo o problema da origem da gravidez porque, se tiver origem numa irresponsabilidade da mulher (e do seu parceiro, claro) não me parece legítimo que ela tenha acesso à liberdade de abortar.
O verdadeiro cerne da questão é que a mulher tem muitos meios para não engravidar e, portanto, se não quer engravidar deve tomar as devidas precauções. A partir do momento em que engravida, parte-se do princípio que quer levar a gravidez até ao fim.
Ou concorda com esta argumentação ou então assume que concorda com o aborto como forma de corrigir irresponsabilidades do casal. É isso?

Quanto ao argumento de "engravidar por acidente com algum contraceptivo" como já referi, não acredito que seja assim tão comum e mesmo que isso aconteça, meu caro, tudo na vida implica sacrifício e responsabilidade. Fútil é você colocar o hedonismo à frente da vida de uma criança.

FuckItAll disse...

Antes de mais, sou "Cara", não "Caro". Mas vamos à vaca fria...

Acho um bocado ingénuo (desculpe-me a franqueza) achar que é possível a pessoas sexualmente activas assegurar uma contracepção 100% segura; mas peguemos nos casos a que chama de irresponsáveis. Está a dizer-me que os cuidados de saúde devem ser prestados apenas a pessoas que foram absolutamente escrupulosas? Cardíacos que comam mal devem ficar de fora do SNS? Pessoas que consomem alcoól não merecem tratamento se tiverem um problema de fígado? Lesões feitas na prática de desporto não devem ser tratadas? Também são coisas desnecessárias e riscos evitáveis, não são? Percebo mal que se queira transformar o Estado em avaliador da moral dos cidadãos e dos riscos que estes correm ou não nas suas vidas privadas.

A mim parece-me estéril discutir razões e culpas face a um facto: há pessoas que ficam grávidas não tendo a menor intenção de ter um filho. Defende portanto que a futura criança seja condenada a crescer com pais contrariados como forma de castigo para esses pais? Um bébé deve ser um instrumento de punição moral?

Acresce que estamos a esquecer um pequeno pormenor: é que esta discussão não existiria se não houvesse pessoas, muitas pessoas, que estão tão convictas de não quererem prosseguir uma gravidez que vão abortar, quer isso seja legal ou não. Portanto, no limite, nem estamos a discutir se se devem ou não salvar os fetos indesejados, porque esses estão sempre condenados. A questão é se queremos condenar também as mulheres em causa: condená-las às más condições em que o aborto se faz quando ilegal, e condená-las, volta e meia, às consequências criminais.

fernando alves disse...

Desculpe-me pela confusão de género.

Também acho que é muito redutor falar apenas da "culpa de engravidar" mas adiante...
É óbvio que todos merecem assistência na saúde, mesmo que seja um assassino. A questão é se ao prestar esses cuidados de saúde não estaremos a cometer um crime. Ou pensa que um embrião é só um "amontoado de células"?

Sempre vão existir pessoas a fazer abortos, eu sei. E temos duas soluções: ou nos resignamos a isso e o legalizamos ou tentamos dar todas as condições que a mãe necessita para a levar avante.

Termino dizendo-lhe que em Portugal não é costume perseguir mulheres por fazerem abortos e isso só aconteceu em casos de abortos feitos muito depois das 10 semanas.

FuckItAll disse...

Não tem nada que pedir desculpa, o nick é omisso.

Mas sim, penso de facto que um embrião é um amontoado de células; é vida no sentido em que um ovo ou uma alface o são. Com a diferença que tem o potencial para se transformar no filho de alguém, se esse alguém o quiser. Entendo que aqui divergimos irremediavelmente, se calhar não se justifica eternizar a conversa.

Ainda assim, gostava de lhe lembrar que uma mulher pode não querer ter um filho por razões muito mais profundas do que o ter ou não condições materiais. Aliás, quando se quer ter um filho, a falta de recursos nunca impediu ninguém de ir para a frente com uma gravidez e ir encontrando soluções. Acredito que a questão se põe, de facto, na vontade de ser mãe, ou pai. E essa não pode ser dada de fora.

fernando alves disse...

A propósito de considerar que o embrião é um amontoado de células, sugiro a leitura atenta das palavras de Walter Osswald, do Instituto de Bioética da Universidade Católica Portuguesa:
"Não há qualquer dúvida que o embrião / feto é um ser humano numa fase do seu desenvolvimento. Falar de amontoado de células, de potencialidades, de projecto, etc. é uma atitude de ignorância, de lançar fumo e de esconder a realidade e, algumas vezes, traduz desonestidade intelectual."

"O processo de desenvolvimento é contínuo, sem cesuras nem barreiras que permitam individualizar fases na vida intra-uterina; até a clássica destrinça entre embrião e feto (8 semanas) é artificial."

FuckItAll disse...

O Dr.(presumo) Osswald tem direito à opinião dele; não pode é misturar alhos e bugalhos.

É um dado científico que a vida é, na realidade, um contínuo, estamos todos de acordo. Mas isso quer dizer que é tão legítimo situar o início da individualidade, da pessoa (que é o que discutimos) no momento da fecundação do óvulo como no momento do nascimento, ou mais tarde (como faz o Peter Singer, p.ex., que tem sido citado por aí). É uma questão filosófico-ideológica, não é ciência. A ciência, ao contrário das ideologias, não tem resposta para tudo. Às vezes temos que escolher.

Desonesto é pretender vender a nossa escolha como ciência.

(obrigada pela discussão...)

fernando alves disse...

Obrigado eu. Dê a sua opinião sempre que assim o entender.