segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Uma posição ateísta pelo Não

Um texto excelente e muito lúcido de Ricardo Pinho, no ateísmo.net. Vale a pena ler com atenção.

«Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?»

Não.

Mesmo que me digam que abortar é moderno. Mesmo que me digam que a Igreja é pelo Não, e que como ateu deveria ter a posição contrária. Mesmo que me digam que se se trata de dar mais direitos às mulheres. Porque não acredito em nada disto.

Confesso que ainda considerei abster-me, por ter dúvidas. Nesta questão, os juristas dividem-se. Os médicos dividem-se. Mas são as minhas dúvidas sobre se um humano com nove semanas e seis dias tem menos direito à vida do que um mesmo humano com dez semanas e um dia, que me levam ao voto Não.

Acredito que a liberalização do aborto viola os direitos humanos fundamentais: É contrária ao texto e ao espírito da Declaração Universal dos Direitos Humanos, cujo artigo 3º diz que «Todo o indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal». E o artigo 24º da Constituição da República Portuguesa que afirma que - no 1º parágrafo - «A vida humana é inviolável». Ao responder Sim a esta questão prescindimos do direito à vida humana do indivíduo por nascer.

Ao longo da história cometeram-se atrocidades contra a humanidade por não se reconhecer humanidade às suas vítimas. Os hereges foram diabolizados e por isso torturados e queimados até à morte; os povos africanos não eram vistos como mais que animais de trabalho, e por isso escravizados até à morte. Foram os pioneiros do pensamento progressista os primeiros a reconhecerem-lhes humanidade. E agora, com o aborto, o que vemos? Vemos que se vende a ideia de modernidade ligada a uma espécie de pena de morte, a título duma ideia de liberdade sexual antiquada e assente nos ideais de irresponsabilidade dos anos setenta do século passado.

Porque, convenhamos, uma mulher não engravida espontaneamente. Um feto não é um tumor que aparece não se sabe como. Criticamos o Vaticano por afirmar que o preservativo não previne a 100% uma gravidez, e agora vimos sustentar a desresponsabilização do acto sexual pelo facto dos métodos contraceptivos não serem 100% eficazes?

Colocar esta questão como uma «perseguição às mulheres» é uma forma desonesta de transformar uma discussão dos direitos humanos para uma questão que não é só das mulheres. Ao atribuir à mulher - «por opção da mulher», entre vírgulas, como lemos na questão - e só à mulher a decisão, anulam-se os direitos de paternidade dos homens. À luz desta liberalização, não estaríamos apenas a dar direitos às mulheres - estaríamos a retirá-los por completo aos homens, que deixam de poder ficar com filho mesmo que a mãe não o deseje, assim como retiraríamos do conceito de paternidade tudo o resto que não o mero dispensar de espermatozóides.

Seja em que campanha for, seja para defender o que quer que seja, parece ser de consuetudo chamar «hipócrita» aos defensores da posição contrária. Para que este meu humilde texto não destoe da formatação em vigor, permitam-me agora que insinue ser hipócrita a defesa da liberalização do aborto duma vida humana em estágios de complexidade superior ao de animais melhor protegidos por sociedades protectoras desses.

Outros epítetos lançados aos defensores do Não ficarão por responder, por indisponibilidade de fazer desta séria discussão, um exercício de adjectivação agressiva ao estilo de Francisco Louçã agora amplamente imitado por outros movimentos e partidos. Parece-me agressivo contra a vida, isso sim, vir a financiar abortos num país onde as fertilizações in vitro não o são.

Votar Sim não resolve o problema das mulheres que querem abortar às 11 semanas. Votar Sim não resolve o problema da privacidade das mulheres que abortariam, pois segundo o que o Ministro Correia Campos alertou, «o anonimato seria impossível em hospitais públicos». E convidado a calar-se.

Um ministro que é convidado a não dizer nada que não vá contra a posição oficial partidária. Dos catorze movimentos pelo Não para cinco pelo Sim, estabelece-se que o tempo de antena será divido por posições e não por movimentos, como se nas legislativas se dividissem os tempos entre «esquerda» e «direita». Os defensores do Não estão em terreno desfavorável.

Como ateus, sabemos que o ser humano é criação dos humanos. Sejamos então conscientes e responsáveis.

Voto em consciência. Voto sobretudo em nome daqueles que ainda não são conscientes, tendo ou não nascido, porque se tudo correr bem, tê-la-ão.

2 comentários:

Anónimo disse...

Mais uma conquista : SIM IVG

Ao longo de 300 anos mais ou menos, começando por altura das revoluções francesa e americana todos os homens e mulheres foram considerados iguais e com o direito à felicidade.
Anos depois a escravatura e a pena de morte foram sendo abolidas em muitos estados.
Depois a mulher entrou no mundo do trabalho: a mulher ganhou independência do homem e o direito ao voto.
Depois houve ainda leis que permitiram o divórcio, a contracepção e mais actualmente o planeamento familiar.
Todas estas foram conquistas da civilização. Chamamos a isto tudo, nós que vivemos o resultado destas conquistas ganhas ao longo do tempo, de direitos. Ainda recentemente em Portugal, uma mulher casada não podia abandonar o país sem o consentimento do seu marido.
Isso faz parte do passado, felizmente. Ou quê?
Ocorre que o direito à IVG é mais uma conquista nesta mesma senda das conquistas.

Será que não compreendem?
Há alguém de vós, mulheres ou homens que permita a proibição do divórcio, por exemplo? Ou o direito das mulheres ao voto?


Pensem muito bem nisto. A IVG é mais uma conquista nesta mesma senda das conquistas.
Quanto à vida – acaso estas conquistas não são conquistas da vida? Da vida verdadeiramente vivida, sem escravatura ou submissão?

Tudo o que sigo faz sentido e é a verdade.
Apenas disse a verdade coerente.
Coerente é votar sim.


Eduardo d´Orey

fernando alves disse...

Meu caro, tudo o que diz é verdade até ao momento em que afirma que o aborto é mais um direito como os outros.

A ser assim, estaria a assumir que o aborto é uma coisa boa tal como a liberdade, a abolição da pena de morte ou o direito ao divórcio.

O aborto é uma coisa má. Todos pensam isso, sejam do sim ou do não. E uma coisa má não pode ser considerada um direito.

Além disso, o aborto é um retrocesso civilizacional no sentido em que vai contra o direito à vida, direito esse que parece que é cada vez mais importante mas para aqueles que "vemos", não é?